A escuta serve para tudo. Por exemplo, para constituir amálgamas entre terapias autoritárias centradas na reeducação dos comportamentos e a psicanálise, que se apoia no sujeito do inconsciente. A tentativa de substituição de uma pelas outras passa pela constituição de uma categoria confusa e inconsistente, a das práticas da escuta. Como se fosse o caso, sobretudo, de escutar a queixa dos sujeitos que pedem ajuda, ao passo que se trata de fazer disso alguma coisa.
O comportamentalista escuta, no que lhe é dito, o agenciamento de uma soma de comportamentos elementares que ele pretende, em seguida, reeducar. Ele responde ao que ouviu por meio de uma objetivação dos comportamentos e uma série de prescrições. A crença do comportamentalizado repousa na fé na reeducação.
O analista, em primeiro lugar presente como escuta, introduz, com seu silêncio, uma demanda de fala por parte do analisando. A resposta do analista jogará nesse registro da demanda para responder ao lado da demanda, a fim de poder fazer ouvir naquilo que é dito o que ultrapassa a intenção daquele que sustenta seu dizer. O analista assume a responsabilidade da escuta para fazer surgir a presença de um sentido diferente do senso comum, de uma parte do discurso que sempre escapa. A isso se acrescenta a crença do analisando de que o analista tem em seu poder o saber no lugar do objeto demandado. Qualquer demanda implica a escuta, o silêncio da escuta como lugar reservado ao que, naquilo que se diz, excede a intenção. Essa escuta silenciosa vem marcar o lugar do desejo que, no discurso, se ignora.
O lugar do desejo assim isolado também testemunha a fixação do gozo que está em jogo na queixa. A efração constituída pelo gozo na homeostase do corpo é o fundamento da repetição do Um: “Nos casos aos quais se tem acesso pela psicanálise, seu modo de entrada [o do gozo] é sempre pela efração. A efração, ou seja, não a dedução, a intenção ou a evolução, mas a ruptura, a disrupção em relação a uma ordem prévia, em relação à rotina do discurso pelo qual as significações se sustentam, ou em relação à rotina que se imagina do corpo animal”[1].
A escuta não tem, portanto, vocação para ficar paralisada em seu silêncio. Ela deve ajudar a manifestar a dimensão do desejo para além da intenção e de uma pulsão acéfala. Esta é a função da interpretação. O desejo não é a interpretação metalinguageira de uma pulsão prévia confusa. O desejo é sua interpretação. As duas coisas estão no mesmo nível. Uma outra proposição deve ser acrescentada: “os psicanalistas fazem parte do conceito de inconsciente, posto que constituem seu destinatário”[2]. O psicanalista só consegue acertar o alvo se ele estiver à altura da interpretação operada pelo inconsciente, já estruturado como uma linguagem. Ainda é preciso não reduzir essa linguagem à concepção que a linguística pode ter dela, de uma ligação entre o significante e o significado. É preciso dar todo o seu lugar à barra que separa as duas dimensões e permite a topologia da poética. A função poética revela que a linguagem não é significação, mas ressonância, e evidencia a matéria que, no som, excede o sentido.
Da interpretação tradução à interpretação corte
É no laço entre a interpretação tradução, que ainda joga com o sentido, e a interpretação corte, que joga com a matéria sonora equívoca, que se situa, no ensino de Lacan, a passagem entre a interpretação que dá sentido e seu avesso. Jacques-Alain Miller definiu essa problemática em um retumbante artigo opondo a interpretação tradução à interpretação assemântica, que remete apenas à opacidade do gozo. O lugar vazio não está mais “de reserva”, está em primeiro plano. “A questão não é saber se a sessão é longa ou curta, silenciosa ou falante. Ou a sessão é uma unidade semântica, aquela em que S2 vem pontuar a elaboração – delírio a serviço do Nome-do-Pai –, muitas sessões são assim, ou então a sessão analítica é uma unidade a-semântica, reconduzindo o sujeito à opacidade de seu gozo. Isso supõe que, antes de ser concluída, ela seja cortada”[3]. A polaridade fundamental não é mais entre o sentido e a verdade como furo, mas entre as duas faces do gozo: o que é um lugar vazio no discurso e o perfura, mas que se impõe em sua plenitude de opacidade.
Essa nova polaridade só é apreendida em seu pleno desenvolvimento rompendo com as ilusões não apenas da intersubjetividade, mas também do diálogo. Jacques-Alain Miller o ressalta em sua invenção do conceito de aparola (apparole), reconfigurando os avanços do último ensino de Lacan. “A aparola é um monólogo. O tema do monólogo obceca o Lacan dos anos 70 – o lembrete de que a fala é, sobretudo, monólogo. Proponho aqui a aparola como o conceito que corresponde ao que surge no Seminário Mais, ainda, quando Lacan interroga de maneira retórica: lalíngua, será que ela serve primeiro para o diálogo? Nada é menos certo”[4].
Enquanto a interpretação semântica queria fazer um relance, a interpretação que confronta o gozo visa, ao contrário, a um não-relance. “É preciso que haja um limite ao monólogo autista do gozo. E acho muito esclarecedor dizer que – A interpretação analítica faz limite. A interpretação [em geral], ao contrário, tem uma potencialidade infinita”[5]. A potencialidade infinita do discurso livre coloca como único limite ao gozo aquele do princípio do prazer. O limite da interpretação se propõe diferente. “Dizer qualquer coisa conduz sempre ao princípio do prazer, ao Lustprinzip […] Particularmente porque, ao colocarmos entre parênteses os interditos, as inibições, os preconceitos, etc., quando isso se põe verdadeiramente a girar nesse nível há uma satisfação da aparola”[6]. É também com isso que a escuta pode se encantar. Permanecemos, assim, no princípio do prazer, mesmo que ele seja comportamentalizado. Trata-se, portanto, de dar uma nova visada à interpretação. Em vez de recorrer ao princípio do prazer e suas possibilidades indefinidas, trata-se de introduzir como limite a modalidade do impossível. “Isso indica qual poderia ser o lugar da interpretação analítica, na medida em que ela interviria na contramão do princípio do prazer […] a interpretação analítica introduz o impossível”[7].
Ao introduzir essa modalidade que rompe com a associação livre da fala, ao estabelecer um certo isto não quer dizer nada, a interpretação que passa pela fala passa para o lado da escrita, única capaz de se encarregar do furo do sentido e do impossível. “A exemplo da formalização, a interpretação […] está mais do lado do escrito do que do lado da fala. De todo modo, ela deve ser feita desafiando o escrito, na medida em que a formalização supõe o escrito”[8].
A problemática da interpretação assemântica introduz uma dimensão híbrida entre o significante e a letra, ao passo que toda uma parte do ensino de Lacan os opõe. Ela dá conta do fato de que Lacan vem a opor a interpretação e a fala. “A interpretação analítica […] incide de uma forma que vai muito mais longe do que a fala. A fala é um objeto de elaboração para o analisando, mas há nela efeitos do que o analista diz – porque ele diz. Não é trivial formular que a transferência desempenha nisso um papel, mas isso não esclarece nada. Tratar-se-ia de explicar como a interpretação incide e que ela não implica necessariamente uma enunciação”[9].
A interpretação assemântica e o escrito
No primeiro ensino de Lacan, a interpretação tinha como efeito dar acesso aos capítulos apagados da minha história, ao que ali estava escrito. No segundo, Lacan se livra dessa referência à história para manter apenas a referência ao “estava escrito”. O efeito de suposto saber, sua generalização, deve ser mantido a partir do poder do “estava escrito”. Uma nova concepção de interpretação decorre disso: “A interpretação, cuja essência é o jogo de palavras homofônico, é o reenvio da fala à escrita, ou seja, o reenvio de cada enunciado presente em sua inscrição”[10].
A interpretação como homofonia é apreendida na generalização do equívoco, que supõe um reenvio ao está escrito. Ela convoca a relação muito complexa entre fala e escrita. No Seminário 23, Lacan desenvolve a escrita como apoio da fala, recusando-se a seguir Jacques Derrida em sua ideia de escrita como impressão, trama, traço. Ele constrói uma literalidade, uma relação com a instância da letra a partir da experiência. “Uma interpretação sempre quer dizer ‘você leu mal o que estava escrito’. Nesse sentido, a interpretação é uma retificação da leitura do suposto saber. A interpretação supõe que a própria fala seja uma leitura, que ela reconduza a fala ao ‘texto original’”[11].
Esse reenvio também pode ser formulado como um engancho para significantes no nó R.S.I. Eles vêm se apoiar nessa escrita. Fazemos jogar essa escrita como apoio, cada vez que fazemos o sujeito ouvir um equívoco que desfaz o afastamento entre a fala e a escrita. Não se trata mais apenas do S1 e do S2 , do apoio do S2 para dar sentido ao S1 . Trata-se também dessa escrita-apoio que valoriza os registros extremamente diversos do equívoco, que ampliam o campo das interpretações possíveis e o sentido de nossa ação. O dizer do analista não é mais S2 produtor de cadeias associativas. O nó borromeano obstaculiza isso produzindo outros tipos de cadeias. “O que formulamos com o nó borromeano já vai contra a imagem da concatenação. O discurso do qual se trata não faz uma cadeia […] A partir de então, a questão é saber se o efeito de sentido em seu real se deve ao emprego das palavras”[12]. O efeito de sentido real dispensa o imaginário da significação. “O efeito de sentido exigível do discurso analítico não é imaginário. Ele tampouco é simbólico. É preciso que ele seja real. Este ano, estou me ocupando em pensar qual pode ser o real de um efeito de sentido”[13]. Esse real notifica a nova visada do aperto do nó em torno do acontecimento de corpo e da inscrição que pode ser notada (a) em um uso renovado.
Ler com seus ouvidos
É o que nos propõe Lacan no terceiro capítulo de Mais, ainda. Este começa com uma série de paradoxos que, numa provocação barroca, visam a desfazer a ligação aparentemente evidente da leitura com o que se escreve. “A letra, lê-se, como uma carta. Parece mesmo feita no prolongamento da palavra. Lê-se, e literalmente. Mas não é justamente a mesma coisa ler uma letra ou bem ler. É evidente que, no discurso analítico, só se trata disto, do que se lê, e tomando como o que se lê para além do que vocês incitaram o sujeito a dizer”[14].
Lacan começa, então, questionando a evidência do laço entre a leitura e a letra e propõe uma concepção original de leitura. Ler um dizer, ou uma fala, “para além do que vocês incitaram o sujeito a dizer” pela regra fundamental, reformulada, simplificada, como “diga qualquer coisa”, mas diga! E essa leitura do dizer define o inconsciente, como o escreve Miller em seu intertítulo: o inconsciente é o que se lê.
Não basta que o significante e o significado sejam distinguidos. Há uma barra que os separa, e Lacan lhe dá um alcance radical. “O significado não tem a ver com os ouvidos, mas somente com a leitura, com a leitura do que se ouve de significante”[15]. Lacan nos comunica sua reflexão sobre a barra como notação da negação, ou melhor, dos modos de negação no plural. Lacan ainda não tornou pública sua tabela da sexuação, que virá dois meses depois como sua “carta de almor (âmour)”. Ele anuncia o uso que fará da barra nos quantificadores. “A negação da existência […] não é de todo a mesma coisa que a negação da totalidade”[16] – é exatamente isso que ele usará como recurso diferenciado nas fórmulas da sexuação.
A barra, ele nos diz, não é para ser compreendida, mas para ser explicada a fim de interrogar um limite da linguística. Esta tem dificuldades em dar conta do efeito de sentido produzido pela incidência do significante sobre o significado. Este é um tema já abordado de forma diferente por Lacan em “Lituraterra”. A diz-mensão da letra, segundo Lacan, implica uma certa instância, uma certa insistência, um certo forçamento para se incluir na trama das significações. A instância, realçada no texto “A instância da letra”[17], designa, na letra, “aquilo que, a ter que insistir, só existe nela de pleno direito quando, por força da razão, isso se destaca”[18]. A referência à razão é, por certo, uma referência ao título do artigo de 1957: “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”.
Para ouvir o que Lacan chama de injeção do significante no significado, temos o exemplo de uma troca epistolar entre Ponge e Lacan, que data de um ano após a publicação de “Lituraterra”. Lacan retransmite uma pergunta de Jakobson a Ponge. “Existe algum exemplo de poesia em francês onde se denote uma insistência na violação do acordo gramatical, na disfunção do singular e do plural, do gênero, da posposição da ‘preposição’, etc.?”[19]. Ao transmitir a questão, Lacan a formula em termos, ele evoca a “insistência” da carta poética em infringir as regularidades sintáticas. Lacan não recua diante da agressão e da violência feitas à sintaxe pela letra ao falar de “insistência na violação”. O que interessa a Lacan é a escrita poética como ilha de efração, de irregularidade. A referência à obra do poeta americano de vanguarda E.E. Cummings põe em destaque essa vontade.
Em Mais, ainda, Lacan nos dá um exemplo do forçamento da letra na leitura do discurso atual operada pelo discurso psicanalítico. Trata-se da leitura da expressão “Não há relação sexual”. No discurso comum, o enunciado pode ser escrito como xRy, homem R mulher. Mas os termos significantes do uso comum não têm relação com a articulação desses significantes com as funções lógicas liberadas pelo discurso psicanalítico. No nível da relação sexual, no nível da questão fálica, a mulher que não existe só pode ser apreendida como mãe, no lugar da mãe. O que é uma leitura lógica do complexo de Édipo. Da mesma forma, a leitura lógica da relação mãe-filho transforma o que Freud situava do lado do ideal. A mãe torna-se suplência do não-toda sobre o qual “repousa o gozo da mulher”. O filho faz tampão dessa ausência, encarnando o (a) como letra que vem marcar o lugar da ausência. Quanto ao homem, ele é articulado ao que se nota como gozo fálico e tomado como todo nesse gozo.
A interpretação como forçamento poético
Se o significante é causa do gozo, devemos nos perguntar como esse gozo pode escapar do autoerotismo do corpo e ainda responder à jaculação interpretativa. “Logo, é necessário sustentar a questão de saber se a psicanálise não é um autismo a dois. Existe uma coisa que permite forçar esse autismo – é que lalíngua é uma tarefa comum”[20]. O gozo é autoerótico, mas a língua não é um assunto privado. Ela é comum. E Lacan explora os recursos do que pode permitir ao analista fazer ressoar outra coisa que não o sentido, algo que evoque o gozo na língua comum. Primeiro, há a poesia. “O forçamento é por onde um psicanalista pode fazer soar outra coisa que não o sentido. O sentido ressoa com o auxílio do significante. Mas, com o auxílio do que chamamos de escrita poética, vocês podem ter a dimensão daquilo que poderia ser a interpretação analítica”[21].
Levar em conta as diferentes diz-mansões no novo uso do significante possibilitado pela interpretação permite a Lacan romper com a concepção saussuriana do signo e da linguística que dela se deduz. “A linguística é uma ciência muito mal orientada. Ela não se sustenta senão à medida em que um Roman Jakobson aborda, francamente, as questões da poética. A metáfora, a metonímia, não têm capacidade para a interpretar, a não ser quando elas são capazes de exercer a função de outra coisa com a qual se unem estritamente o som e o sentido”[22].
O uso que o psicanalista faz da metáfora e da metonímia não tem, porém, a mesma visada que o poeta, que visa o efeito estético, libera um mais-de-gozar que lhe é próprio. O psicanalista, como no chiste, deve visar a ética, ou seja, o gozo. “É mesmo nisso que consiste o chiste. Consiste em se servir de uma palavra para outro uso que não aquele para o qual ela é feita; dobramo-la, um pouco, e é nessa dobradura que reside seu efeito operatório”[23]. A nova poética que Lacan traz à luz por meio da interpretação não está ligada ao belo, mas toca o gozo como o chiste, que desencadeia um mais-de-gozar particular. “Não temos nada a dizer do belo. Ele se ocupa de um equívoco ou, como diz Freud, de uma economia”[24].
Essa ressonância permite elevar o dizer à altura de um acontecimento, como o sintoma. “Observem que eu não disse a fala, eu disse o dizer, toda fala não é um dizer, sem o que toda fala seria um acontecimento, o que não é o caso, sem isso não se falaria de falas vãs. Um dizer é da ordem do acontecimento”[25].
Ler-se como uma andorinha
O terceiro capítulo do Seminário Mais, ainda termina com um belíssimo apólogo, que situa o ponto em que desemboca a leitura do inconsciente em uma psicanálise. A psicanálise não apenas ensina a ler, mas ensina a “se ler”, com o mesmo efeito reflexivo da pulsão[26]. A pulsão é acéfala. Ela consiste em se fazer ver, cagar, papar, ouvir. Quando atingimos esse ponto, essa ausência do eu (moi) onde se realiza um novo saber, Lacan sustenta que “estamos no registro do discurso analítico”[27]. Nesse discurso, não há mais oposição entre o leitor e o texto, os dois se interpenetram. Mais de mim (moi) para encarregar-me da leitura. Isso se lê.
O apólogo final retoma a exigência do início do capítulo: no discurso analítico, situar a função da escrita, mas deslocando-a. No início do capítulo, diz-se: “É bastante óbvio que, no discurso analítico, trata-se apenas daquilo, do que se lê, do que se lê além do que você incitou o sujeito a ser dito”[28]. E no final do capítulo, no apólogo, passamos da leitura para “se ler”. Lacan interroga não apenas o inconsciente, mas o sujeito do inconsciente, o laço que ele mantém com o Outro do discurso psicanalítico.
Este apólogo se apresenta como uma leitura do “grande livro do mundo”. Lacan vê nele o voo de uma abelha e o voo das andorinhas. A abelha vai de flor em flor, colhe o pólen. Um saber produz uma leitura dessa ação. A abelha transporta em suas patas o pólen de uma flor para outra. Ler o voo das abelhas é saber que elas servem à reprodução das plantas. Mas ela o sabe? Da mesma forma, no voo dos pássaros, pode-se ler que haverá tempestade. Lacan toma o exemplo do voo das andorinhas, animal pelo qual se interessa desde “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”[29]. Mas a pergunta nos é formulada: será que a andorinha lê a tempestade?
Lacan ainda não dispõe da categoria de falasser (parlêtre), mas ele desliza do sujeito do inconsciente para um modo do vivente que, ao contrário da andorinha, é um vivente suposto suposto saber ler. “E não é outra coisa, essa história do inconsciente, de vocês.”[30]. Lacan dá então uma bela e simples definição do percurso de uma análise: “vocês […] supõem que ele sabe ler, como supõem que ele pode aprender a ler”[31]. Então, vem o paradoxo final. “Só que, o que vocês o ensinam a ler, não tem, então, absolutamente nada a ver, em caso algum, com o que vocês possam escrever a respeito”[32].
O procedimento do passe permite dar conta da maneira como um sujeito se lê em uma análise e como ele aprendeu a ler. Em contrapartida, o que se pode escrever a respeito são letras que remetem às funções lógicas reveladas pela experiência da psicanálise. Os equívocos da língua que compõem o inconsciente não têm nenhuma relação com essas letras. De maneira radical, o sujeito do inconsciente é lógico e não psicológico. É uma lógica em que os jogos da escrita e da leitura se entrelaçam, assim como a poesia barroca podia se encantar pelos jogos da beira da praia com a onda. O litoral da letra e do gozo nos encanta com jogos da leitura e da escrita, para chegar ao ponto em que não mais precisemos da ferramenta da fantasia para “se ler”.
Éric Laurent
Psicanalista, AME, membro da EBP, ECF, ELP, EOL, NEL, NLS e AMP
Tradução: Vera Avellar Ribeiro
Revisão: Fernanda Otoni Brisset
N.E.: Texto publicado anteriormente em Correio, n. 87. Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Abril, 2022. Contamos com a amável autorização do autor para esta publicação.
[1] MILLER, J.-A. «L’Un est lettre». La Cause du désir, Paris, n. 107, p. 35, mar. 2021.
[2] LACAN, J. “Posição do inconsciente”. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 848.
[3] MILLER, J.-A. “L’interprétation à l’envers”. La Cause freudienne, Paris, n. 32, p. 13, jan. 1996.
[4] ____________ “O monólogo da aparola”. Opção Lacaniana online, nova série, São Paulo, ano 3, n. 9, nov. 2012.
[5] ____________ Ibid.
[6] ____________ Ibid.
[7] ____________ Ibid.
[8] ____________ Ibid.
[9] LACAN, J. O seminário, livro 22: R.S.I. Lição de 11 de fevereiro de 1975. Texto estabelecido por J.-A. Miller. Ornicar?, Paris, n. 4, p. 95-96.
[10] MILLER, J.-A. «Introduction à l’érotique du temps». La Cause freudienne, Paris, n. 56, p. 77, mar. 2004.
[11] __________ 2004, op. cit., p. 78.
[12] LACAN, J. O seminário, livro 22: R.S.I. Lição de 11 de fevereiro de 1975, p. 96.
[13] _________ Ibid.
[14] _________ O seminário, livro 20: Mais, ainda. (1972-1973) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008 (novo projeto). p. 32-33.
[15] __________ 2008, op. cit., p. 39.
[16] __________ Ibid.
[17] __________ “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”. In: LACAN. Escritos, op. cit., p. 496-536.
[18] __________ “Lituraterra”. In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 18.
[19] __________ “Carta a Francis Ponge, 11 de dezembro de 1972”. La Cause du désir, n. 106, p. 14, jun. 2020.
[20] _________ “Rumo a um significante novo”. Texto estabelecido por J.-A. Miller. Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo, Ed. Eolia, n. 22, p. 9, ago. 1998.
[21] _________ Ibid., p. 10.
[22] _________ Ibid., p. 11.
[23] _________ Ibid., p. 13.
[24] _________ Ibid., p. 11.
[25] _________ O seminário, livro 21: Les non-dupes errent. Lição de 18 de dezembro de 1973. Inédito.
[26] _________ O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. (1964) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1979.
[27] _________ 2008, op. cit., p. 42.
[28] _________ Ibid.
[29] Cf. LACAN, J. “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”. (1953) In: LACAN, 1998, op. cit., p. 273.
[30] _________ 2008, op. cit., p. 43.
[31] _________ Ibid.
[32] _________ Ibid.