Com Lacan seguimos do desejo do analista como o que revela a impossibilidade de reduzir a libido ao simbólico,o que já apontava para o furo, à dimensão traumática, onde o analista como parceiro de gozo, ocupa-se do tropeço. «Analista: presente! » tema do próximo Encontro Brasileiro do Campo Freudiano é um chamamento para que nós psicanalistas, numa época em que o imaginário invade a experiência roubando a singularidade, nos ocupemos de pensar nossa prática de forma a fazer valer, em nosso tempo, no presente, o inconsciente. Ao trabalho!
Henri Kaufmanner
Presidente da Escola Brasileira de Psicanálise .
Tomaremos o tema do próximo Encontro Brasileiro pelo viés da “presença do analista”, expressão extraída do texto do Seminário de Lacan para dar título ao capítulo sobre a transferência em Os Quatro Conceitos Fundamentais. [1]. Para Jacques-Alain Miller a “presença do analista” quer dizer que “… a psicanálise não funciona apenas por representação significante. Existe a dimensão da presença…” essa presença que para Lacan constitui a “estrutura mesma da relação analítica.”.[2]
Como na orientação significante dar conta da presença do analista na sessão analítica?
Lacan desde o início de seu ensino concebe que há uma ‘consciência’ da presença do analista, que, no paciente, equivale a um fechamento do inconsciente. Ou seja, a orientação pelo significante encontra seu limite em um ponto de opacidade. Tal lógica o leva a postular que a análise pode ter um fim desde que o analista, como semblante, se coloque como ponto de extimidade do analisante. [3]
Como contrapartida, do lado analisante, se trata no início de consentir, pois “ser analisante é consentir em receber de um psicanalista algo que perturba sua defesa”. [4]
A presença do psicanalista “deve ser incluída no conceito do inconsciente”, nos diz Lacan.[5] A inclusão da ‘presença’ no conceito de inconsciente transferencial se distingue de sua inclusão no conceito de inconsciente real?
Angelina Harari
[1] Lacan, J. O Seminário. Livro 11. Os Quatro Conceitos fundamentais [1964]. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 1985. P.119
[2] MILLER, J-A. Curso de orientação lacaniana. Do sintoma ao fantasma e retorno. (1981-82). Aula 8/12/1982. (inédito)
[3] Miller, J.-A. Curso de orientação lacaniana: Do sintoma ao fantasma e retorno. (1981-82) Aula de 2/02/1982. (inédito)
[4] Miller, J.-A. Curso de orientação lacaniana: A experiência do real no tratamento analítico. (1988-89) Aula de 25/11/1988. (inédito)
[5] Lacan, J. O Seminário. Livro 11. Os Quatro Conceitos fundamentais. [1964]. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 1985. P.123.
Aposta na presença do sujeito
“Marina caiu!” me diz uma criança de três anos em nosso primeiro encontro. As crianças pequenas nos ensinam algo a respeito da presença do analista. Com elas, contamos muito pouco com o sentido e muito com suas palavras e com nossa construção teórica para introduzir nesse real a dimensão do inconsciente. Apostamos na presença de um sujeito e que o inconsciente fala pela boca das crianças.
Temos o inconsciente como hiância do seminário 11, e aquele do seminário 24, o Une-bévue, uma equivocação, quando Lacan introduz o jogo com o sentido. A partir do seminário 16 ele fala do gozo em pequenas doses, aquele que pede do analista uma operação que não se restringe à interpretação. O inconsciente é um efeito de sentido diante do sem sentido do encontro contingente com o real. É por isso que é tão importante em nossa prática não eliminarmos o malentendido nem a contingência. Contamos com o inconsciente do sujeito, convocando-o e introduzindo a dimensão do sentido. Não dando um sentido, mas abrindo o campo da crença no sintoma. O inconsciente é uma construção do lado da prática dos analistas e ela precisa ser feita, sobretudo em tempos onde a possibilidade de interpretar é ameaçada de desaparecer, e com ela a possibilidade de fazer existir o inconsciente.
Cristina Drummond
A Presença do Analista
Qual a relação da presença do analista, que faz parte do conceito de inconsciente, com o desejo do analista, que deve permanecer um x? Se a presença do analista faz falar e surgir o inconsciente no sujeito, o analista está em posição de causa, causa de desejo, mas não se sabe qual é o seu desejo. Lacan diz que é na medida em que o desejo do psicanalista permanece um x, que o sujeito não sabe o que ele quer para aí se identificar, que a travessia do plano das identificações é possível, por meio da separação do sujeito na experiência da análise. Assim pode-se presentificar, da realidade do inconsciente, a pulsão.
Para Lacan, o desejo do analista não é um desejo puro, mas o desejo de obter a diferença absoluta. Ao conduzir o sujeito aos significantes que marcaram seu corpo, o desejo do analista leva cada um ao seu sinthoma. O analista parceiro que tem a chance de responder é o analista-sinthoma, que carrega seus restos sintomáticos. Presença mais ou menos discreta ou marcante, o analista aparece como um corpo que se interpõe e provoca ressonâncias no corpo do falasser. Não basta que ele suporte a função de Tirésias, diz Lacan, é preciso ainda, que tenha mamas. O analista exerce a função da interpretação, mas também a função de objeto libidinal, fazendo ressoar o enlace entre lalíngua e o corpo. Para tocar o real do corpo, como prescindir da co-presença dos corpos?
Elisa Alvarenga
ANALISTA: PRESENTE!
A política do sintoma, proposta por Lacan, despertou e instigou meu desejo de orientar-me por ela. Entendo que uma análise, mesmo em casos nos quais os sujeitos se apresentam desestabilizados e marcados por sintomas áfonos, curto-circuitados por excessiva intrusão de gozo que traspassou e invadiu o corpo, tem como uma de suas finalidades a instalação de um vínculo libidinal, com o analista, que permita alguma aspiração desse gozo mortífero. Nesses casos, a função do analista seria sustentar o esforço de nomeação do gozo e construir, na transferência, o laço social que seja possível, a fim de barrar o efeito devastador do gozo sobre o corpo próprio. Esta é uma posição oposta ao discurso da ciência a serviço da tendência universalista do Mestre contemporâneo de sufocar e domar a singularidade de gozo de cada Um, em um desprezo avassalador pela alteridade e pela diferença. Nossa aposta e oferta como psicanalistas é, ao contrário, oferecer a possibilidade a qualquer um de liberar sua fala congelada no sintoma. Analista: Presente!
Elizabete Siqueira
Toc…toc… o analista presente!
Um sujeito que vem em tratamento há uns 20 anos, em uma determinada sessão, ao começar a falar sobre situações ocorridas no seu trabalho, no âmbito de um organismo público, com voz hesitante e cheia de interjeições, vacila e diz: … “olhe, Dr. Iordan…eu vou é me calar…porque as paredes têm ouvidos!” Ato contínuo, tamborilo na parede próxima a mim: toc…toc… e falo em tom afirmativo: essa daqui não tem ouvidos…pode ficar tranquilo! A resposta é imediata: obrigado, Dr. Iordan…no senhor eu posso confiar! – e segue sua falação.
A prosopopeia aplicada – recurso estilístico – próprio ao mundo simbólico, não tem o tratamento devido por este sujeito, que não navega em águas edípicas, porque não foi guiado pela função paterna. Isso que para o neurótico não passa de uma metáfora, no psicótico aparece como elemento de seu delírio, como uma perturbação na relação com o Outro. Esse não querer falar é um sinal que ele está sempre atento ao diálogo interior, que lhe forçaria a dizer alguma bobagem e revelar o mais íntimo de si, sem a mediação simbólica. Ele, que não se defende do real pela via da linguagem supõe, aliás, acredita mesmo, que há um outro, além dele, que fala! É o imaginário que vem tratar a inoperância simbólica deste sujeito. O seu dito, manifesta a presentificação da esquize, da dissociação do sujeito – algo do real que aí se manifesta.
O que sua vacilação denuncia é sua dificuldade em tomar a palavra – a estrutura revela que é o Outro que fala. Ele está em desvantagem porque sempre aborda o significante de banda, de través. Com seu corpo, sua presença e seu ato, o analista faz ressoar o dito do sujeito psicótico que tem uma certa desadequação com o tempo e o espaço, o que dificultaria, sobremaneira, o atendimento virtual.
Iordan Gurgel
O analista presente e a clínica irônica
Um analista não se faz presente hoje sem a consideração do aforismo lacaniano “todo mundo é louco, isto é delirante”, que supõe a vacilação do semblante paterno. A significação fálica é um delírio que se tece em torno do que não há, assim como todo o edifício neurótico se ergue a partir da fantasia que tem o objeto a como parâmetro dos des (equilíbrios) do ser: “O objeto a, como consistência lógica, está apto para encarnar o que falta ao sujeito. E o semblante de ser que a falta-a-ser subjetiva convoca”. (Miller, 1996, p.196)
Miller nos lembra que talvez fosse possível curar a neurose pela ironia que é “é a forma cômica tomada pelo saber de que o Outro não existe” e que denuncia, portanto, o falo como falácia, verificador de um real que não prescinde do furo e de um uso possível do sinthoma.
Resta, contudo, a pergunta: em tempos em que os sujeitos se fiam pela autodeclaração e se creem transparentes a si mesmos, como restaurar a torção irônica do ato analítico, que reintroduz a opacidade da não relação? Seria preciso, como propõe Clotilde Leguil, (2022) reativar o consentimento com um certo não saber para que possamos nos fazer presentes pela via da interpretação.
Eironeia, que em sua antiga acepção significa interrogação, carrega em si o espaço de um lapso e o furo que aí se instala, dando lugar a novas invenções sinthomáticas no decorrer de uma análise.
Laura Rubião (MG)
O analista, o real e a época
Por que ao propor o procedimento do passe, Lacan elege o testemunho como modalidade de transmissão da passagem de analisante a analista? Tal eleição teria alguma relação com os testemunhos de sobreviventes que naquele momento, mais que no período imediatamente posterior ao final da guerra, circulavam amplamente na cena europeia?
Um dado digno de nota, que não passou despercebido em minha pesquisa nos arquivos do Centro di Studi Primo Levi, é que, coincidência ou não, no contexto dos testemunhos de sobreviventes dos campos de concentração nazistas aquele que transmite a outros o testemunho de um sobrevivente é chamado de “passador”[1]. Passador era também o termo utilizado para se designar as pessoas que passavam judeus das zonas ocupadas para zonas livres durante a guerra.
Em conferência proferida por ocasião da abertura da XXII Jornada da EBP-MG, Christiane Alberti enfatiza que Lacan teve muito em conta o laço social e as suas transformações, a ponto de registrá-lo, em sua teoria, como um real que devemos levar em consideração[2], evocando o campo de concentração e os testemunhos dos sobreviventes como os fatos históricos tributários da integração do real à sua teoria.
Tal eleição não parece desarticulada do ponto trazido à luz por Clotilde Leguil ao afirmar que ademais atestar o surgimento do inconsciente, o termo “testemunha” dá conta da função presença do analista como como testemunha do que se perde, como presença articulada a uma perda[3].
Lucíola Macêdo
[1] Mesnard, P. Primo Levi: uma vita per immagini. Venecia, Marsilio Editori, 2008, p.11, 102 e 144.
[2] Alberti, C. Há apenas isso: o laço social. Curinga, n.47, 2019, p.19.
[3] Em “Presença do psicanalista com testemunha da perda”.
O feminino e o imbrochável
A pluralidade de nomes do pai permite abrir o catálogo dos modos de gozar de nossa época para além da castração. “a” não recobre mais o menos phi (-φ) . Isso permite abordar a atual fluidez de gênero, binários, não binários e a-sexuados pelo objeto. Encontramos os efeitos dessa mudança na atual campanha presidencial, em que um candidato busca normatizar, regular, disciplinar a vida das mulheres pela gravitação em torno do falo. Mas a sexualidade feminina vai muito além do pênis do parceiro, isso a tal ponto que muitas mulheres somente alcançam o prazer sem a penetração. Com Freud, nada mais previsível do que um candidato que brocha nas pesquisas querer voltar a medir pinto e contar suas façanhas viris.
No mundo conservador, muitas mulheres simplesmente não sabem o que fazer de sua feminilidade para além do falo. Para algumas, muito religiosas, resta apenas a experiência místico/delirante de gozar em seus sonhos, como por exemplo um sonho de trepar na goiabeira. Assim o panorama eleitoral permite entrever a existências dessas duas lógicas, um eleitorado crente no Pai, e no pau, e um eleitorado de Maria, Marias que, mesmo que tenham um parceiro, decidem enfrentar o mundo por si mesmas.
Marcelo Veras
(AME/EBP/AMP)
“Psicanalista: Presente!”. Impossível, para mim, não escutar os ecos de um grito repetido, até as lágrimas, “Presente!”, depois de cada nome dos sequestrados-desaparecidos, durante os piores anos da repressão da ditadura cívico-militar argentina. Como se com esse grito pudéssemos dar-lhes voz e tirá-los do ensurdecedor silêncio e da escuridão da condição de desaparecidos pelo ódio do repressor.
Hoje, quando a racionalidade neoliberal e suas infundadas argumentações se espalham inconsequentes reduzindo o fazer política à difamação do opositor, apelando a velhos preconceitos enraizados na cultura, não são poucas as ofertas de cumplicidade para sequestrar e silenciar as vozes do dissenso.
Mas, desta vez, o significante “Presente!”, torna-se não só a necessária lembrança daqueles cujos corpos inertes foram negados, senão uma convocatória, aos analistas do Campo Freudiano, para continuarem marcando que a Psicanálise segue ainda viva e presente nestes tempos de renovadas tentativas de sequestrar e fazer desaparecer o mais singular do sujeito do inconsciente. Busca-se ainda fazê-lo desaparecer sob a miragem da liberdade de um sujeito da vontade. Mas, de qual liberdade se trata, senão de uma liberdade própria da loucura, uma liberdade mortal?
Oscar Reymundo
A presença em ato
O conceito de permanência e mudança de Aristóteles, se deslocado para a psicanálise, nos ajuda a cotejar sobre a repetição de gozo e sua mutação encontradas na clínica. Para que essa operação aconteça no processo analítico, é necessário que o analista se faça presente, o que cada um faz ao seu próprio estilo. O analista se faz presente é através do seu ato analítico. E, em que consiste o ato analítico? Se recorremos à teoria aristotélica “ato e a potência”, podemos dizer que o ato é aquilo que é, enquanto a potência é o que pode vir a ser. Então, a potência, para o analista, corresponde à aptidão de operar o ato analítico e, o ato em si, é o próprio existir da ação do analista. Logo, o ato analítico, como resultado da presença do analista, confere existência à psicanálise, dentro do tempo presente.
Existem condições que possibilitam ao analista se fazer presente. Podemos evocar aqui a surpresa, a contingência e a singularidade. Em todas elas, o corpo do analista está implicado. O ato analítico, assim, é efeito da ação imprevisível do analista como tolo diante do real. A imprevisibilidade está para o analisante, assim como para o analista, que age sem um saber prévio, visando à abertura do inconsciente com a finalidade de esvaziá-lo de sentido. O analista se faz presente ao praticar o ato analítico por meio de um conjunto de estratégias e táticas pertinentes à psicanálise, tais como o seu silêncio, a interpretação como equívoco, a perturbação da defesa, o corte de sessão, a leitura do sintoma, entre outras.
Com efeito, Lacan resume o ato analítico como um ato acidental, equivocado e resultado paradoxal de alguém que funda uma experiência sobre pressupostos que ele mesmo ignora[2]. Enfim, o analista presente em ato, promove o deslocamento do analisante da condição de objeto de gozo ou de um eu idealizado e narcísico para assunção de um corpo falante que possa se responsabilizar não apenas pela satisfação com o seu sinthoma, apanágio de sua cura, mas por sua vida.
Sérgio de Campos[1]
[1] AME da EBP/AMP.
[2] LACAN, J. (1967-1968), Ato analítico, livro XV, p. 36, inédito.
A presença do analista evidencia tanto o gozo como preserva o furo, presentificando um dizer que ressoa o que de traumático afeta o corpo. O tédio causou o desejo! A causa é o encontro com o gozo, do qual temos responsabilidade. Como que atingida por um raio, instante de ver, me vi num voo para Paris onde, supostamente iria encontrar um amigo. No entanto, durante a viagem, uma contingência me afetou e percebi que estava mesmo era indo fazer análise, por que não? Do aeroporto, fui imediatamente para o consultório do analista e, assim, aconteceu um encontro, dando início ao diálogo do Um, a um falar sozinho: – Vim falar! O analista disse sim à minha demanda de ser paciente, mas fez silêncio até o momento em que me conduziu à porta, instante que com a mão no meu ombro, exclamou chistosamente: – Vous êtes très sympatique! Um ato que marcou presença. Atônita saí. O vazio se instalou e apreendi que a consequência do falar é o destino da transferência. Durante anos tentei saber fazer com as ressonâncias desse dizer, lidar com essa primeira leitura do sintoma, que remetia ao avesso do que eu me imaginava ser – tempo de compreender. Essa viagem permaneceu até eu escutar: – Ça suffit! Surpresa! Novamente atônita, senti-me tola do inconsciente, experimentando nenhum saber, nenhum sentido – momento de concluir. O gozo se presentificava, mas eu já não era um viajante errante, era um viajante itinerante, ou seja, a viagem permeada pelo real continua. O consentimento é uma decisão insondável, realizada no encontro e no reconhecimento da alteridade. Analista: presente!
Sônia Vicente
(AME/EBP/AMP)