A proposta da Comissão de Bibliografia do XXIV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano é de encontrar, recortar, colar fragmentos de textos, pulsações que nos ajudem a ler, mas que também leiam, o tema Analista: Presente! Essas pulsações são escolhidas como lampejos que, fora do seu contexto, desencadeados, portanto, do sistemático, podem abrir brechas de leituras e, ao mesmo tempo, podem despertar o retorno ao texto de referência. Entre os vagalumes com seus pontinhos de luz, e o morcego, lembrado por Marcela Antelo, com seu sonar, esperamos que estes fragmentos ecoem.

Os recortes que traremos aqui serão escolhidos a partir dos tropeços nas leituras, desses que pedem pausa, que brilham ou obscurecem as trilhas conhecidas. Esperamos que eles encontrem, nos seus leitores, outras composições; que estes enunciados, na contingência da leitura, encontrem uma enunciação; que eles se agitem no desassossego do desejo de saber e que encontrem pouso na escrita de um texto.
Boa leitura!

Flávia Cêra
Coordenadora da Comissão de Bibliografia


EIXO 1


O analista presente no espaço de um lapso?

(fazer verdadeiro, presença real, ajuda contra, sinthoma, inconsciente)


“[…] a psicanálise é o que faz verdadeiro, mas fazer verdadeiro, como deve ser entendido? É um golpe de sentido, um sentido em branco [sens blanc]”.
LACAN, J. Seminário 24, L´insu que sait de l´une-bevue s´aile a mourre. Aula de 10 de maio de 1977. Inédito.

“E depois disto, como não admitir o real, real por que neste caso colocamos nossa pele? Quer dizer, o mais eficaz que pode haver, por mais longe que se vá, de nossa presença real. Desta presença real, digamos apenas que, depois de tudo, não há necessidade de hasch para transformá-la em uma substância leve. […]”.
LACAN, J. Seminário 21, Les Non-Dupes Errent. Aula 18/12/1973. Inédito.

Parto de minha condição, aquela de trazer para o homem o que a Escritura enuncia não como uma ajuda para ele, mas como uma ajuda contra ele.
LACAN, J. O Seminário, livro 23, o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 31.

Penso que não se pode conceber o psicanalista de outra forma senão como sinthoma. Não é a psicanálise que é um sinthoma, mas o psicanalista.
LACAN, J. O Seminário, livro 23, o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 131.

“[…] a presença do analista é ela própria uma manifestação do inconsciente, de modo que quando ela se manifesta hoje em dia em certos encontros, como recusa do inconsciente — é uma tendência, e confessada, no pensamento que formulam alguns — isso mesmo deve ser integrado no conceito de inconsciente. […]”.
LACAN, J. O seminário, livro 11, os quatro conceitos fundamentais de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 121.

“O objeto fantasístico, ou interior, deverá, ao menos na posição suspensa em que está, e de maneira vivida pelo sujeito, ser reduzido à distância real, que é aquela entre o sujeito e o analista. É nessa medida que o sujeito irá realizar seu analista como presença real”.
LACAN, J. O seminário, livro 4, a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p. 244.

“[…] nossa função, nossa força, nosso dever, é certo, e todas as dificuldades se resumem ao seguinte: é preciso saber ocupar seu lugar, na medida em que o sujeito deve poder localizar aí o significante faltoso. E, portanto, por uma antinomia, por um paradoxo que é o de nossa função, é no próprio lugar em que somos suposto saber que somos convocados a ser, e a ser, nada mais, nada menos, que a presença real, justamente na medida em que ela é inconsciente”.
LACAN, J. O seminário, livro 8, a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p. 264.

“A verdade é que, para o falasser, o efeito de encontro é instantâneo. Tudo está ligado a um acontecimento que deve ser encarnado, um acontecimento de corpo, definição do sintoma dada por Lacan”.
MILLER, J.-A. Perspectivas dos Escritos e Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011, p. 93.

EIXO 2


O tempo, o corte e o ato: o acontecimento analista

(urgência, alteridade, tempo lógico, suposto saber, acontecimento, instante)


“Os processos do sistema Ics são atemporais, isto é, não são ordenados temporalmente, não são alterados pela passagem do tempo, não tem relação nenhuma com o tempo”.
FREUD, S. “O inconsciente”. Obras completas volume 12. São Paulo: Companhia das letras, 2010, p. 128.

“a satisfação que marca o fim […] é a urgência que a análise preside”.

“Posto que dar essa satisfação é a urgência que a análise preside, interroguemos como pode alguém se dedicar a satisfazer esses casos de urgência”.
LACAN, J. “Prefácio edição inglesa do Seminário 11”. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 569.

“outra escansão do tempo lógico, o momento de falhar só tem sucesso no ato se o instante de passar a ele não for uma passagem ao ato, por parecer seguir o tempo para compreendê-lo”.
LACAN, J. “Discurso na Escola Freudiana de Paris”. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 270.

“[…] Por outro lado, o fim que aponto como a captação do próprio analista na exploração do a, é exatamente isso que constitui o ininterpretável. Em suma, o ininterpretável na análise é a presença do analista. É por isso que interpretá-la, como já se viu, como foi até impresso, é, propriamente, abrir a porta, convidar para esse lugar do acting out.”
LACAN, J. O Seminário, livro 16, de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 338.

“Um dizer é da ordem do acontecimento. Não um acontecimento superficial, não um momento de conhecer. Para dizê-lo de chofre, não é filosofia. É algo que se dá instantaneamente dentro dele. Instantaneamente dentro daquilo que nos determina enquanto não é, inteiramente, o que se crê. Não é qualquer tipo de condição, do Real, local, disto, daquilo, depois do qual alguém boceja, não é o que, como seres falantes, nos determina. E isto reside muito precisamente nesse pedículo de saber, que se chama nosso inconsciente, enquanto que, para cada um de nós este nó tem suportes muito particulares”.
LACAN, J. Seminário 21, Les Non-Dupes Errent. Aula de 18/12/1973. Inédito.

“É seguramente por isso que coloquei o acento sobre o desejo do analista. O sujeito suposto saber que o suporta define a transferência: Suposto saber o quê? De que modo operar? Porém seria totalmente excessivo dizer que o analista sabe de que modo operar. O que seria necessário é que saiba operar convenientemente, e, que possa se dar conta da envergadura das palavras para seu analisante, que incontestavelmente ignora”.
LACAN, J. Seminário 25, momento de concluir. Aula de 15/11/1977. Inédito

“O que quer dizer “dizer”? “Dizer” tem algo a ver com o tempo. A ausência de tempo é algo que se sonha, é o que se chama de eternidade, e esse sonho consiste em imaginar que se desperta”.
LACAN, J. Seminário 25, momento de concluir. Aula de 15/11/1977. Inédito

“O que os une e arranja seus laços [de um sujeito com um outro], isso do qual nós vemos unicamente os efeitos, se enoda e se decide sobre uma Outra cena, e os refere a uma alteridade absoluta em ausência, uma alteridade, por assim dizer, exponenciada. Ela nunca é dada no presente e, entretanto, não há presença que não passe por ela e não se constitua aí”.
MILLER, J. – A. “Ação da Estrutura”. Matemas I. Jorge Zahar: Rio de Janeiro,1996, p.15 e 16.

“O desejo de despertar […] é o desejo do analista na medida em que ele não se identifica com o sujeito suposto saber, ou seja, com o que é apenas efeito de sentido — o sujeito suposto saber é apenas o efeito de sentido que implica a possibilidade de interpretação —, mas enquanto ele atesta sua presença. É o que eu formularia como a vocação do analista, o analista do terceiro período de Lacan: que ele ateste com sua presença o encontro com o real”.
MILLER, J. – A. “Despertar”. Matemas I. Jorge Zahar: Rio de Janeiro,1996, p. 104-5.

“[…] o ponto crucial a ser visado agora é um termo que, por ser incalculável, é também incompreensível na análise, ou seja, o fator tempo. O fator tempo é uma quantidade inquantificável, no sentido de incalculável antecipadamente e, em particular, por estar em contato direto com o gozo”.
MILLER, J. – A. Perspectivas dos Escritos e Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011, p. 75.

EIXO 3


O impossível e o laço: o analista e a época

(acontecimento de corpo, o inconsciente é a política, laço, gozo, impossível)


“A divisão do sujeito é coisa bem outra. Se onde não está, ele pensa, se onde ele não pensa, está, é precisamente porque está nos dois lugares. E até diria que essa fórmula da Spaltung é imprópria. O sujeito participa do real, justamente, por ser aparentemente impossível”.

LACAN, J. O seminário, livro 17, o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p. 97.

 

“É no plano do impossível, como sabem, que defino o que é real. Se é real que haja o analista, isto se dá justamente porque é impossível. Isto faz parte da posição da latusa”.

LACAN, J. O seminário, livro 17, o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p. 154.

 

“No fim das contas, há apenas isso, o liame social. Eu o designo como o termo discurso, porque não há outro meio de designá-lo, uma vez que se percebeu que o liame social só se instaura por ancorar-se na maneira pela qual a linguagem se situa e se imprime, se situa sobre aquilo que formiga, isto é, o ser falante”.

LACAN, J. O seminário, livro 20, mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 60.

 

“’O inconsciente é a política’ provém do que liga e opõe ‘os homens’ – entre aspas – entre eles, ou seja, o inconsciente provém do laço (…) O inconsciente provém do laço social – introduzamos essa glosa – justamente porque a relação sexual não existe”.

MILLER, J. – A. “Intuições Milanesas II”. Opção Lacaniana online nova série Ano 2, número 6, novembro 2011.

 

“Volvamos a nuestro tema para tratar de formular, pese a todo, una distinción entre la política y la ética a partir del psicoanálisis. La distinción más simple sería que la ética concierne al uno, mientras que la política es del orden de lo colectivo. La ética se acomoda muy bien y se dirige, antes que nada, a un sujeto; aunque haya varios, los toma uno por uno. La política, en cambio, es la dimensión humana de lo colectivo, y podemos decir que en nuestro tiempo es para todos, es la cuestión misma del para todos”.

MILLER, J. – A. Los divinos detalles. Buenos Aires: Paidós, 2011, p. 208.

 

“Os analistas precisam entender que há comunhão de interesses entre o discurso analítico e a democracia, e precisam entendê-lo verdadeiramente! Há que se passar do analista reservado, crítico, a um analista que participa, a um analista sensível às formas de segregação, a um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora.”

LAURENT, É. “O analista cidadão”. A sociedade do sintoma. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2007, p. 143.

 

“[…] o sintoma como acontecimento de corpo não condena a nenhum solipsismo ou individualismo. Ele advém num corpo tomado pela linguagem, isto é, num corpo tomado no laço social com os outros”.

LAURENT, É. O avesso da biopolítica: uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: contra Capa, 2016, p. 23.

 

“Um corpo é submetido a afetos e paixões, tanto o corpo político quanto o individual. Novas paixões políticas surgem como novos acontecimentos de corpo políticos, depois se transformam”.

LAURENT, E. Paixões religiosas do falasser. São Paulo: Opção Lacaniana, 75/76, 2017, p. 39.

 

“[…] a experiência analítica é uma experiência que se propõe tratar o gozo, que propõe necessariamente elucidar a relação entre o gozo e o laço social”.

BROUSSE, M. – H. O inconsciente é a política. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2018, p. 34.